Já velho e doente, recolhido em seu apartamento e cercado de criados e enfermeiras, já sem forças para enfrentar a escrita de longos romances, dedicou-se exclusivamente ao conto - ele que, desde jovem, foi um estupendo contista. Toda manhã, logo após o café, vestia seu terno e gravata, barbeava-se, perfumava-se, não para sair, mas para pular da cama de doente para uma poltrona colocada bem a seus pés.
Ali, escrevendo à mão, em cadernos de espiral, como um escolar, ele rascunhava um novo conto. Mas como saber que apesar da doença e das limitações físicas se o que escrevia ainda prestava?


Nessas horas, em que temia já não ser capaz de fazer o que sempre soube fazer, não recorria a nenhum leitor especializado, a nenhum crítico literário de renome, ou especialista competente - como, nas horas graves, se procura um médico especialista no fígado, ou nos pulmões.
Preferia, em vez deles, os leitores comuns, os leitores "despreparados". Quase sempre, mulheres, que ele julgava menos dogmáticas e mais abertas ao novo. Ao fim da manhã, pegava sua agenda e, ao acaso, escolhia o nome de uma amiga. Telefonava e a convidava para almoçar em um pequeno restaurante de bairro, a três passos de seu apartamento. Sorvia esses momentos de intimidade com elegância e prazer, tomava seu cálice de vinho, mas em vez da sobremesa, encerrava o encontro, sempre, com uma leitura.
Abria o caderno e se punha a ler em voz alta o conto que rascunhara naquela manhã. Lia lentamente, fazendo muitas pausas para observar o semblante, a atenção, as reações faciais, os rumores da amiga. Ao fim da leitura, esperava um comentário, qualquer comentário. Contudo, não era exatamente ele que o interessava, mas sim os sinais mais discretos e invisíveis do impacto que aquela história provocara em sua ouvinte. Se a reação era forte, apaixonada, o conto valia a pena e ele o guardava para continuar a escrever em outra ocasião. Se, ao contrário, recebia em troca o silêncio e a apatia, ao voltar para seu quarto de velho, limitava-se a arrancar a página do caderno e atirá-la no lixo, entre restos de esparadrapos e caixas vazias de remédio.

O impacto, sua presença, ou ausência: isso era tudo o que interessava a Bioy Casares.
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"La eternidad es una de las raras virtudes de la literatura." (Bioy Casares - escritor Argentino ).

8 Comente Aqui:

Quantas e quantas vezes você não se imaginou almoçando com este senhor?

Recomenda algo dele, nem que seja um conto, vai.

puxa!
não conhecia...

curiosidade já me corroendo...
vou descobrir!
;D


E olha só.
Hoje estou no Versos de Falópio:
http://versosdefalopio.blogspot.com

Apareça!
um beijo

Nem só de Borges e Cortazar vive (e com eles só já viveria muito bem) a literatura argentina.

O Casares seria um conto, contado por ele mesmo? Um conto onde uma porta se abria para outro conto, onde o tempo andava para dentro?

Beijos sonhadores

gostei do cara. E bom ver a Feijãozinho de volta ao batente.

beijo grande.

Poxa, muito massa, fiquei muito curioso, aonde eu encontro um conto desse cara?

realmente, Bianca. Fiquei curioso e vou pesquisar.

abraço

Pareceu que eu estava lendo a biografia do Bioy Casares. E a melancolia da solidão fez-me lembrar uma obra dele que adoro e que você sabe qual é, né, Bianca?

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